Junto à máquina, mexo meus
botões. Primeiro, examino-a com aguçadas lentes multifocais. Cumprimento, só
com um leve mexer do pescoço, todo o seu tênue comprimento. Sentada sobre a
poltrona, corpo debruçado sobre o colo, ela também me vê. Eu lhe sorrio. Com
passos apressados, dou zoom com minhas pernas. Chego perto. Solto um ” Tudo
bem? Tudo bem e você? Tudo bem”. Que bom - o fotógrafo atingirá a perfeição da
imagem no dia em que as máquinas fotografarem sozinhas e o homem não agir mais como uma máquina. Tem
vezes que eu mesmo pergunto, eu mesmo respondo. Ela põe o figurino. Eu examino.
Seu cabelo liso fica bem com o vestido de linho bordado. Prepare-se! Ela se
apruma. Arruma o cabelo, as mãos, os pés, os seios. Cruza os braços, as pernas,
olha as unhas pintadas de vermelho. Vira de lado, vira de jeito. Joga o cabelo,
eu lhe demoro o olhar. Ela se retrai, fiquei sem jeito. Respira. Relaxa. Agora
está bem. Vamos lá, vamos lá! A lente da máquina é como o olho do homem.
Atente-se. Não estou aqui, quem te observa é a máquina. Grandes, pequenos e
silenciosos botões. Sorria! Lindo, lindo não mexa! Isso, assim, deixa. Assim. Um
clic. Dois clics. Três clics. Cruza as pernas para o outro lado. Passa as mãos
sobre o cabelo, vira o queixo pro espelho, faz bico com os lábio. Arruma o
batom. Uma pausa. Um suspiro. Pela tela eu amplio. Pode ficar melhor - a beleza
é sempre inalcançável sem o photoshop. Abro a janela pra correr o ar e lhe
bagunçar o cabelo. O vento que sopra, assobia, arrepia. Em sua pele porosa,
pequenos buracos. Os pelos eriçam, no buço, suplicam “me corte, me corte”. Os
poros confirmam. O corpo, sinua. A matéria, dilata entre a sua timidez e a
ousadia. Os defeitos, todos, visíveis a olho nu: O pescoço, grande demais. As
mãos, compridas demais. Os peitos, pequenos demais. O ego, demasiadamente
grande. Fico a tarde inteira para fotografá-la. Ela levanta, finge um desfile.
E seu perfume fica pelo ar. Mudo o foco da câmera e as duas já estão íntimas.
Troca olhares com a máquina como se eu nem mesmo estivesse ali. Uma tarde
inteira para muitas fotos. Alguns minutos para que eu faça uma seleção. Esta
não, esta não, está sim. Esta sim, esta sim, esta talvez. Talvez com uma mexida
aqui, outra mexida ali. Na outra tela eu amplio e foco nos defeitos. Pixels. Pela
tela, somos feitos também de pontos. Pequenos, pequeninos, invisíveis a olho
nu, visíveis pelas máquinas. Deveríamos
ser feitos em formas. Coloca os ovos, a farinha, um pouco de água e fermento.
Estatura baixa, média ou alta? Cabelos loiros, castanhos claros, escuros ou
grisalhos? Nariz tucano, batata ou arrebitado? Escolha a forma, opte por um
pouco mais de farinha para uma pança maior, um pouco mais de água, para ser tanto
mais magrelo. Inventariam menos aplicativos de beleza. O homem seria, ao todo,
sua própria natureza. Dou zoom na tela e reparo na barra do vestido dela. Ponto
cruz. Uma linha por baixo, outra linha por cima. Um X ao lado de outro X. Pixel
ao lado de outro pixel. Átomos ao lado de átomos. Somos pequenas partículas - é
como dizem os cientistas por aí. Íntimos ao lado de íntimos - como dizem os
românticos por aí. (Antas ao lado de antas, como dizem os revoltados por aí).
Pessoas que se cruzam em ponto cruz com
outras pessoas, que vagam por aí. Somos histórias e histórias - como diriam os
passarinhos por aí. E vão-se os corpos, restam as imagens. Vão-se os átomos, eu
vivo de pixels.
(texto escrito por Laura Barbeiro)
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