quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Do leite ao café. Deleite o café.



"Toda a vez que chove eu tenho uma vontade danada de beber café. Uma coisa que sempre considerei de adultos, beber café. Eu não gosto, mas um dia devo aprender a gostar. Há certas coisas que considero uma evolução, um pequeno passo para o homem, um grande passo para a humanidade: uma delas é esta, deixar de beber leite, beber café. Lembro-me da primeira vez em que tomei meu leite com chocolate e açúcar no copo, ou melhor, na caneca (que tinha um desenho de João e Maria, jogando migalhas pelo caminho). Eu adorava essa caneca e acho que a usei até um dia em que eu estava lavando a louça, com muita preguiça, e ela se partiu, levando toda a minha lactose junto.
Pois bem. Eu sempre sinto aquele cheiro maravilhoso por volta das duas da tarde. Minha mãe parece um despertador quando coa seu café. Toda vez que eu sinto o cheiro, sei que são duas da tarde – porque nesse horário ela tira um cochilo e seu cochilo é sagrado. Daí ela se levanta e toma um café pra acordar.     

Eu não tomo café ainda, mas quando ela vem falar comigo eu posso sentir o seu hálito quente de café que vem de dentro da sua boca, como uma garrafa térmica. Então eu me lembro de uma música que ouvi uma vez no rádio que diz que está me esperando pro jantar e me beija com a boca de café. Sim, minha mãe tinha boca de café às duas da tarde. Ela me falou que seus dentes são amarelados porque bebe muita cafeína e que já fumou muito na vida e, se eu continuasse a beber muita coca-cola, eu também ficaria assim. Me imagino velhinha, com os dentes quase pretos, da cor de coca-cola. Sempre coca-cola. Então meus dentes ficariam pretos e eu comeria uma maçã e, numa mordida, eles estariam tão podres que cataploft."

                                                           (trecho do conto Dente de Leite)                                

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