"Toda
a vez que chove eu tenho uma vontade danada de beber café. Uma coisa que sempre
considerei de adultos, beber café. Eu não gosto, mas um dia devo aprender a
gostar. Há certas coisas que considero uma evolução, um pequeno passo para o
homem, um grande passo para a humanidade: uma delas é esta, deixar de beber
leite, beber café. Lembro-me da primeira vez em que tomei meu leite com chocolate
e açúcar no copo, ou melhor, na caneca (que tinha um desenho de João e Maria, jogando
migalhas pelo caminho). Eu adorava essa caneca e acho que a usei até um dia em
que eu estava lavando a louça, com muita preguiça, e ela se partiu, levando
toda a minha lactose junto.
Pois
bem. Eu sempre sinto aquele cheiro maravilhoso por volta das duas da tarde.
Minha mãe parece um despertador quando coa seu café. Toda vez que eu sinto o
cheiro, sei que são duas da tarde – porque nesse horário ela tira um cochilo e
seu cochilo é sagrado. Daí ela se levanta e toma um café pra acordar.
Eu
não tomo café ainda, mas quando ela vem falar comigo eu posso sentir o seu
hálito quente de café que vem de dentro da sua boca, como uma garrafa térmica.
Então eu me lembro de uma música que ouvi uma vez no rádio que diz que está me esperando pro jantar e me
beija com a boca de café. Sim, minha mãe tinha boca de café às duas da tarde.
Ela me falou que seus dentes são amarelados porque bebe muita cafeína e que já
fumou muito na vida e, se eu continuasse a beber muita coca-cola, eu também
ficaria assim. Me imagino velhinha, com os dentes quase pretos, da cor de
coca-cola. Sempre coca-cola. Então
meus dentes ficariam pretos e eu comeria uma maçã e, numa mordida, eles
estariam tão podres que cataploft."
(trecho do conto Dente de Leite)
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