quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

De idas e vindas, a vida.







Lançava a linha lá longe sobre o rio e tirava a rebarba do anzol, que era chance pro peixe fugir logo dali (antes que ele o fisgasse). Cavava um buraco com as mãos sobre a terra e, em seguida, espalhava aquela coisa vermelha sobre o corpo, pra exalar o mesmo perfume que as minhocas: "Estou cheirando a sorte" - balbuciava pro rio". E esperava sentado, que peixe não tem pressa pra ser pescado. 
Da calmaria d´água, reparava a dança que as libélulas faziam, dando cambalhotas acima de sua vara. Num minuto, tinha o pensamento que ia longe e, de repente voltava, arredio, seguindo os mesmos lances que dava com aquele pedaço de bambu. Entre um piscar de olhos e uma espreitada no movimento-parado da água, imaginava-se subindo, subindo pelos ares. 
Nada lhe dava mais liberdade do que ver avião subir, era muito barulho pra uma criatura só ouvir. Aquilo lhe empolgava de um modo que, por dentro, ele sentia um siricutico de pólvora com coca-cola. E dava rasantes com as asas debruçadas sobre os parapeitos das janelas das nuvens, observando aquela água toda lá embaixo. 
"Hosana nas alturas !" - ele gritava lá de cima. 
De lá, ele nem precisava pagar camarote pra assistir ao mais famoso espetáculo de dança entre a Terra e o Céu: O Bolshoi de Andorinhas. 
Via sentido em conhecimentos parabólicos que a televisão e o sofá lhe ensinavam: As minhocas pertencem ao filo dos anelideos. Seu pai sempre lhe disse (e ele sempre soube mais que a TV). Logo depois, concluía sua próprias teorias: as minhocas usam anéis sobre o corpo. No entanto, elas não casam - as minhocas, elas acasalam. Na prática, ele testava seus conhecimentos específicos observando o amadurecimento das frutas e frutos em quintais alheios. "A sabedoria humana vem do sabor da goiaba, da pinha e, principalmente,  do vermelho dos tomates. Há muitos gênios pelas barracas das feiras". 

-- A linha, a linha, a linha ! Solta a linha ! Dá chance pro peixe escapar...
E o barulho do peixe logo se ia, até desaparecer entre o zunido do voo das libélulas.

Lá pela noite, ele descia com a rede de pescaria vazia. Vinha com um vinho na mão e a outra mão enlaçada com a menina. E ela, vinha com ele, cantarolando. Ele, ziguezagueava entre um trançar de pernas que fazia descer mais rápido a ladeira. Ela, cantava porque a vida ainda era doce. Ele, cantava porque doce, ainda, era o sabor daquele líquido dos deuses em sua boca. Pai nosso, ave maria, boa noite, durma bem, até amanhã, meu bem. E os dois se olharam e ele lhe sorriu de dente roxo. 

 Espiou pela janela - o céu estava estrelado." Amanhã o dia tá bom pra peixe".

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