Pra não perder o fio da meada, foi de uma vez por todas ao médico e resolveu seguir os conselhos para cuidar melhor de seu corpo: decidiu andar balançando um bambolê pela cintura. Tirou pela manhã o miolo do pão e, em vez de passar manteiga, como de costume, mergulhou o tal no leite condensado e pescou-o com os dedos lambuzados. Partiu, pegou o busão e sentou na janelinha, fazendo tchauzinho pra todo mundo que lhe olhasse com cara de louco. Não seria mais o pó da rabiola, saiu da linha, entrou no samba e cantou o pout-pourri com a multidão. Naquele dia resolveu almoçar só brigadeiro e estourou pipoca só para ouvir o barulho da panela e sentir o milho entre os dentes. E fez careta, contou lorota, quebrou seu porquinho e jogou todas as suas moedas na fonte para que realizassem todos os seus desejos. Sentiu vontade, vestiu de renda a sua face e imitou sua vizinha magrela, que dizia viver só de comer alfaces. Regou todas as suas plantas secas e decretou que, dali em diante, as praguinhas que nasciam ali, intrusas pela terra, não deveriam se chamar mais maria-sem-vergonha, e sim, trepadeiras.
Foi andar de bicicleta em ziguezague no paralelepípedo naquela rua mais bonita - que lhe fazia lembrar de tempos chamados de "remotos", fazia bem para a sua síndrome das pernas inquietas. E foi tomar um cafezinho na varanda da Dona Abigail, uma senhora de óculos que cria galinhas no quintal. Só porque achava o nome dela legal e imaginava quão grande seria o tamanho da fechadura de sua porta e só porque uma vez ela lhe perguntara “qual a chave que abre o seu coração, meu filho?”
Pra não perder o fio da meada e seu título de campeão, foi participar de torneios internacionais de anéis de fumaça, já que quando criança era o campeão das maiores bolas de chiclete e de melecozas cacas de nariz. E assim vestiu seu casaco de inverno naquele dia de pleno verão porque (como quase todo o mundo) aqueles botões deveriam entrar em suas devidas casas.
Pra não perder o fio da meada, pegou a escada, subiu no armário e tirou o velho cuco que seu pai pendurava pela parede, aquele passarinho encontrava-se parado no tempo, com o canto mudo e digitais ainda ali esquecidas. Aproveitou pra tirar também seu relógio do pulso e pendurou-o no varal pra secar junto com as roupas, ele inventara seu próprio relógio de sol. E viu que cada um tinha seu próprio tempo e que ele mesmo acabara de criar o seu.
Pra não perder o fio da meada, estava decretado o fim de toda aquela meada passada. Ao deitar em sua cama nessa noite, não colocaria mais seu relógio pra despertar, o médico diagnosticara tudo: faltava em sua cabeça a rebimboca da parafuseta, esse era afinal o mistério de sua vida.
Que fosse dali em diante,
a pegada de um elefante.
lady laura... nunca perca o fio da meada de si, mesmo quando o fio pareça embolado... :)
ResponderExcluir